Senhores(as) dos Terceiros anos...observem as linhas básicas do pensamento de Jean Jacques Rousseau; principalmente quando se trata do conceito de propriedade.
Lembrem-se: DIREITOS NATURAIS X DIREITOS ARTIFICIAIS (criados pelo meio social).

Introdução

Jean Jacques Rousseau foi um dos filósofos que influenciaram os movimentos sociais, políticos e econômicos setecentistas que culminaram na Revolução Francesa. Sob inspiração de Rousseau, a burguesia, em ascensão, além da liberdade econômica conquistada contra o Ancien Regime no século XVIII, alcançou a liberdade e a igualdade políticas. A obra Contrato Social, que estabelece o fundamento da sociedade em um pacto social, foi de fundamental influência para a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1789. Nela, encontramos a idéia de liberdade e igualdade como direitos naturais que o homem gozava no estado de natureza. O pacto social dá passagem ao estado civil sob o império da vontade geral, formada pela união de todos os indivíduos pactuantes.
Rousseau também é um precursor do romantismo, de Marx, do feminismo e do ecologismo. No decorrer da História, a obra de Rousseau transitou livremente entre os círculos liberais e socialistas não se podendo adotar uma posição definitiva sobre sua filosofia política. Isso porque, além de ter influenciado o movimento burguês setecentista através da Declaração Universal dos Direitos do Homem, Rousseau tem uma visão negativa sobre a origem da propriedade privada, princípio este fundamental para toda e qualquer visão socialista da sociedade. Dessa forma, ressalta-se a relevância de se revisar sucintamente os princípios fundamentais da filosofia de Rousseau, e identificar de que maneira a propriedade privada neles se situa.
1. A origem da sociedade civil em Rousseau
Até a metade do século XVII, a filosofia política é regida, no que se refere à origem e fundamento da sociedade civil, pelo chamado modelo organicista. Tal modelo, desenvolvido por Aristóteles – razão pela qual também é chamado de modelo aristotélico – , também é encontrado em Santo Agostinho e Santo Tomás de Aquino. No chamado modelo organicista, o Estado é considerado como um natural prolongamento da estrutura familiar, estruturado hierarquicamente, tal como as relações existentes entre pai, mãe e filhos ou entre o dono da casa e os servos, sendo que  a passagem do estado pré-político para o Estado ocorre como efeito de causas naturais, tais como o aumento do território, o crescimento da população, a necessidade de defesa, a exigência de assegurar os meios necessários à subsistência, etc., ou seja, a legitimação se dá pela necessidade (BOBBIO, 1991: 6 e 7). Nesse modelo, o indivíduo não goza de determinados direitos anteriores (e justificadores) à formação do Estado; os direitos nascem no e com o Estado.  Nesse sentido podemos ler nas primeiras páginas da Política de Aristóteles: o todo precede necessariamente à parte (...), a cidade é por natureza anterior ao indivíduo (ARISTÓTELES, 2001: 14).  Assim, mais do que de seus direitos, a tradição política fala dos deveres do indivíduo, entre os quais ressalta, como principal, o de obedecer às leis.
Individualismo é a teoria segundo a qual o indivíduo antecede ao Estado, gozando de determinados direitos tidos como naturais – razão pela qual esses escritores também são chamados de jusnaturalistas – válidos indiferentemente da vontade do poder soberano. Tais direitos não universalmente válidos e reconhecidos, pois provêem da razão. São, entre outros, o direito à vida, à liberdade, à igualdade e, para alguns, à propriedade.
Não temos uma data precisa ou um acontecimento determinado que estabeleça o declínio do modelo organicista e o surgimento do modelo individualista. Estabeleceremos aqui, como marco, a publicação do Leviatã, em 1651, por Thomas Hobbes. Nesta obra podemos encontrar o esboço de que seja uma teoria individualista sobre a origem e fundamento da sociedade e do Estado, ao atribuir direitos naturais ao indivíduo, considerado singularmente, em um estado anterior à formação do Estado, o chamado estado de natureza.
John Locke, com o seu Segundo Tratado sobre o Governo Civil, de 1690, e Jean Jacques Rousseau, com o Contrato Social, de 1762, dão prosseguimento à teoria, produzindo uma verdadeira revolução copernicana no pensamento político. 
2. O estado de natureza de Rousseau
Enquanto que para Hobbes o estado de natureza é um estado de guerra na medida em que para este filósofo o homem é essencialmente mau (homem lobo de homem) (HOBBES, 2001: 36-37), e para Locke o estado de natureza é um estado é de total liberdade, regulando-se as posses e as pessoas de acordo a conveniência dos limites da lei da natureza (LOCKE, 2007: 2), para Rousseau, os homens no estado de natureza, não tendo entre si nenhuma espécie de relação moral nem de deveres conhecidos, não podiam ser bons nem maus, nem tinham vícios nem virtudes (ROUSSEAU, 2007a: 210). Para Rousseau o estado de natureza era o mais próprio à paz e o mais conveniente ao gênero humano.
Todavia, para Rousseau, o homem é a-social por natureza, pois sendo bom no estado natural, é corrompido pela sociedade. O estado de natureza torna-se assim um estado de conflitos e discórdias cujo estabelecimento da propriedade privada é seu último termo.
3. O contrato social de Rousseau
Diferentemente de Hobbes, para quem há um pacto de total submissão em favor do soberano, e de Locke para quem o estado civil nasce do contrato social limitado aos máximo termos pelos direitos naturais a que o homem gozava no estado de natureza, em Rousseau o contrato social visa formar um poder político comum a todos os membros da sociedade, que passam assim a formar a vontade geral. Em lugar de destruir a igualdade natural, o pacto fundamental substitui, ao contrário, toda a desigualdade física, que entre os homens lançara a natureza, por uma igualdade moral e legítima (ROUSSEAU, 2007b: 37).
Para Rousseau, no contrato social, cada um dos membros põe em comum sua pessoa e sua autoridade, sob o supremo comando da vontade geral, e recebe em conjunto cada membro como parte indivisível do todo.
Com a passagem do estado de natureza ao estado civil, segundo Rousseau, imprime-se no homem a moralidade que lhe faltava no estado de natureza, substituindo-se uma conduta guiada pelo instinto por uma conduta guiada pela justiça, deixando-se de aplicar a lei da natureza e introduzindo-se a lei civil. 
4. O direito de propriedade em Rousseau
Rousseau não atribui à propriedade a categoria de direito natural, tal como o direito à liberdade e à igualdade. O estabelecimento da propriedade ocorre como um ato unilateral do primeiro ocupante no estado de natureza, ou seja, sem que tenha sido estabelecido a lei civil. Segundo Rousseau, a origem das desigualdades entre os homens está no ato do primeiro ocupante ao estabelecer a posse de determinada área de terra. Segundo afirma:
Le premier qui, ayant enclos un terrain, s´avisa de dire: Ceci est à moi, et trova des gens assez simples pour le croire, fut le vrai fondateur de la société civile. Que de crimes, de guerres, de meurtres, que de miseres et d´horreurs n´eût point épargnés au genre humain celui qui, arrachant les pieux ou comblant le fossé, eût crié à ses semblables: Gardez-vous d´écouter cet imposteur; vous êtes perdu, si vous oubliez que les fruits sont à tout, et que la terre n´est à personne (ROUSSEAU, 2007a: 222).
O primeiro que, tendo cercado um terreno, se lembrou de dizer: Isto é meu, e encontrou pessoas bastantes simples para o acreditar, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. Quantos crimes, guerras, assassínios, misérias e horrores não teria poupado ao gênero humano aquele que, arrancando as estacas ou tapando os buracos, tivesse gritado aos seus semelhantes: ‘Livrai-vos de escutar esse impostor; estareis perdidos se esquecerdes que os frutos são de todos, e a terra de ninguém!’.
Assim, diferentemente de Locke que estabelece ontologicamente a propriedade como fruto do trabalho, Rousseau a considera como degeneração do gênero humano. Com o contrato social e o estabelecimento das leis, torna-se estável e legítimo o direito de propriedade. Segundo escreve o filósofo, com o contrato social o homem perde a liberdade natural e um direito ilimitado a tudo, mas ganha a liberdade civil e a propriedade de tudo o que possui – a liberdade natural é limitada pelas forças do indivíduo, a liberdade civil é limitada pela liberdade geral e a posse, que não é senão o efeito da força ou do direito do primeiro ocupante. 
Na obra Emílio, há um trecho em que Emílio pretende plantar favas e se sente injustiçado ao ver todas arrancadas pelo jardineiro Robert, que já ocupava as terras. Emílio é ensinado a respeitar o direito do primeiro ocupante. Segundo afirma Rousseau, “não trabalharemos na terra antes de saber se alguém não a lavrou antes de nós” [... nous ne travaillerons plus la terre avant de savoir si quelqu’un n’y a point mis main avant nous. (ROUSSEAU, 2007c: 168)]
Existe, ainda, um trecho famoso do Contrato Social que não deixa dúvidas quanto à legitimidade do direito de propriedade em Rousseau:
Ce que l´homme perd par le contrat social, c´est sa liberté naturelle et un droit illimité à tout ce qui le tente et qu´il peut atteindre; ce qu´il gagne, c´est la liberté civile et la propriété de tout ce qu´il possède. Pour ne pas se tromper dans ces compensations, il faut bien distinguer la liberté naturelle qui n´a pour bornes que les forces de l´individu, de la liberté civile qui est limitée par la volonté générale, et la possession qui n´est que l´effet de la force ou le droit du premier occupant, de la propriété quin e peut être fondée que sur un titre positif (ROUSSEAU, 2007b: 61).
O que o homem perde, através do contrato social, é a sua liberdade natural e um direito sem limites a tudo aquilo que o tenta e que ele pode obter: o que ganha é a liberdade civil e a propriedade de tudo aquilo que possui. Para não se enganar nestas compensações, precisa distinguir bem a liberdade natural, que não tem outros limites a não ser as forças do individuo, da liberdade civil, que é limitada pela vontade geral, e a posse, que não é outra coisa senão o efeito da força ou o direito do primeiro ocupante da propriedade que não pode ser fundamentada a não ser num título positivo.
Assim, Rousseau atribui o direito de propriedade um lugar altamente legítimo entre os direitos do homem após o contrato social. Caberia apenas à vontade geral impedir a excessiva desigualdade de patrimônio (BLOCH, 1980: 65).
Nesse sentido escreve no Contrato Social:
Le droit de premier occupant, quoique plus réel que celui du plus fort, ne devient un vrai droit qu´après l´établissement de celui de propriété. Tout homme a naturellement droit à tout ce qui lui est nécessaire ; mais l´acte positif qui le rend propriétaire de quelque bien l´exclut de tout le reste. Sa part étant faite il doit s´y borner, et n´a plus aucun droit à la communauté. Voilà pourquoi le droit de premier occupant, si faible dans l´etat de nature, est respectable à tout home civil (ROUSSEAU, 2007b: 62).
O direito de primeiro ocupante, ainda que mais real que o do mais forte, só se converte em verdadeiro direito depois de estabelecido o de propriedade. Todo o homem tem naturalmente direito a tudo que o lhe é necessário; mas o ato positivo que o torna proprietário de algum bem o exclui de todo o resto; estando feita a sua parte, a ela se deve limitar, e não tem mais direito à comunidade. Eis por que o direito de primeiro ocupante, assaz débil no estado de natureza, é para todo homem civil, respeitável.
5. Considerações Finais
Jean-Jacques Rousseau é filósofo de primeira grandeza para o pensamento político ocidental. Sua obra exerceu e exerce profunda influência nos caminhos da democracia e dos direitos humanos. Se nos conturbados tempos da burguesia em ascensão política o Contrato Social de Rousseau foi um texto instrumental para a defesa da liberdade e da igualdade de todos os cidadãos, na atualidade a obra rousseauniana remete o leitor a pensar o futuro da política, da cidadania e dos direitos individuais, coletivos e trans-individuais. Hodiernamente, quando ganha destaque as preocupações ecológicas e as referentes à função social da propriedade urbana e rural, o pensamento de Rousseau fornece argumentamos para pensarmos em termos ontológicos o direito de propriedade: seria este um direito natural do homem ou um ato individual legitimado pelo Estado com o nascimento do poder político? Rousseau inclina-se para o segundo argumento. O presente trabalho deixa em aberto a questão para que o leitor tire suas conclusões. Indiferentemente da posição, é importante relembrar a lição de Norberto Bobbio sobre a relevância do pensamento jusnaturalista na atualidade: “o atual renascimento do jusnaturalismo é o ressurgimento da eterna exigência da idéia de justiça – que transcende continuamente o direito positivo e nos induz a tomar posição frente a ele para modificá-lo, aperfeiçoá-lo, adaptá-lo a novas necessidades e novos valores” (BOBBIO,1998: 25).

Referências
ARISTÓTELES. Política. São Paulo: Martin Claret, 2001.
BLOCH, Ernst. Derecho natural y dignidad humana, Madrid: Aguilar, 1980.
BOBBIO, Norberto. Thomas Hobbes. Rio de Janeiro: Campus, 1991.
_______ Locke e o Direito Natural. Brasília: UnB, 1998.
HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2001.
LOCKE, John. Second Treatise of government. Dover Publications, 2007.
ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurs sur l´origine et les fondements de l´inegalite parmi les hommes. Paris: Flammarion, 2007.
______ Du contrat social. Paris: Flammarion, 2007.
______ Émile ou De l’ éducation. Paris: Gallimard, 2007.
Resultado de imagem para Rousseau e a propriedade
Imagem relacionada
Resultado de imagem para Rousseau e a propriedade


Comentários